Cantinho de Prosa

A bem dizer, chamo-me Paulo Sérgio ou Paulinho como gostam de chamar meus amigos. Resolvi criar esse cantinho para prosar as coisas e pessoas desse mundo. Quem sabe não começamos uma conversa?

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Location: Araraquara, São Paulo, Brazil

Nascido em Campos dos Goytacazes-RJ e residente em Araraquara-SP. Sociólogo e Mestre em Políticas Sociais (UENF). Doutorando em Sociologia (UNESP).

Tuesday, March 06, 2007

Lembranças de "Tristes Trópicos"

Mujer nambiquara hilando en la misión juruena*



Apesar de publicizar tardiamente minhas impressões sobre a leitura de “Tristes Trópicos”, estas são ainda vívidas nas recordações sobre uma obra de repercussão eminentemente contemporânea. Se bem entendi, esse comentário releva a comunicação de aspectos teóricos com a visão de Claude Lévis-Strauss de um mundo cuja face não nos é mais permitida conhecer fidedignamente mas que, pela observação direta de um antropólogo europeu iniciando sua carreira, aparece-nos como um retrato crível da construção da modernidade brasileira.

A viagem feita de navio por Lévis-Strauss, odiável pelos contratempos oferecidos, permite-lhe constatar um mundo onde as distâncias físicas e políticas entre os países tornam-se cada vez menores. Não que isso signifique um progresso realizável unilateralmente, pois reside a perplexidade de uma miséria assim como o progresso tão mais universal como a difusão das benfeitorias tecnológicas da civilização. Na sua narrativa, duas impressões acerca do Brasil e da América do Sul são dignas de nota: se o primeiro lhe parecia ingenuamente oposto à representação extraída do seu quadro de referências etnocêntrico, na América do Sul, a imagem consagrada de “paraíso” não condizia com a condição de continente submetido a intervenções externas viabilizada pela estrutura de poder sob hegemonia de elites locais, em via oposta ao seu desenvolvimento. Para Lévis-Strauss a “terra de oportunidades” assim o era apenas para grupos privilegiados que devido a sua envergadura econômica poderiam explorar os recursos ainda não explorados sem deixar nada em seu lugar. Olhando para o contexto de origem e deparando-se com o inesperado a cada instante, sua atenção desloca-se sem desembaraço da percepção política à mudança de hábitos conforme vai emergindo na atmosfera nova. O calor dos trópicos, os sabores e olores diversos parecem ampliar sensorialmente seu horizonte cultural ao acrescer novos códigos de conduta até então inéditos. A mudança de seu status econômico também lhe chamara atenção; se na França era pobre, aqui Lévis-Strauss experimenta ser “cidadão de alta classe”.

A visão de outros europeus próximos dos índios estudados por Levis-Strauss são exemplos de como os intérpretes autorizados do velho mundo concebem a humanidade desses homens e mulheres. Sobre os índios do Tabaji, a impressão de índios assimilados pela cultura do homem branco seria, como citado acima, um exemplo da indisposição em relativizar sua própria cultura e de quanto esta, uma vez naturalizada, definiria uma suposta mentalidade indígena. Não desprezando certa propensão da entrada de valores exógenos na cultura indígena, Lévis-Strauss preocupa-se em identificar as resistências culturais à aculturação, na qual faz distinguir os povos autocónes enquanto entidade étnica singular. Esse exercício etnográfico será uma constante em seu trabalho de observação junto às outras tribos que participou durante sua expedição pelo interior ainda em muito desconhecido do país.

As experiências com os índios revelam modos de vida em verdadeira antítese com o padrão dominante de relação dos homens com a natureza e com os outros homens. Mas para a angústia de Lévis-Strauss essa sorte de transitar em sociedades humanas em situação de isolamento cultural quase irrestrito seria logo um espaço e um tempo que jazem solitariamente na lembrança de um antropólogo experiente. Não só o processo de aculturação mas também a resistência dos índios ao processo civilizatório e sua dizimação física e espiritual, tendo como caso exemplar os Nambiquara, figuram uma viagem catártica de um cientista solidário à condição humana.

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