Nunca escrevi um livro que mexesse tanto comigo mesmo e com os leitores quanto o Cabeça de Porco. E também nunca experimentei uma parceria que funcionasse de modo tão natural e complementar, apesar das diferenças e graças a elas, quanto esta que se realizou no Cabeça, com Celso Athayde e MV Bill. Os três autores recebemos mensagens dos leitores mais diversos e distantes, muitas delas emocionantes. Todos que nos mandam e-mails ou participam de comunidades no Orkut dizem que se comoveram lendo o livro e que as idéias expostas no Cabeça ajudaram a formar suas convicções, seja por terem mudado suas antigas opiniões, seja por as terem confirmado. Em uma palavra, o retorno que recebemos tem sido muito positivo: o livro mobiliza e faz pensar. Mais ainda: estimula a ação. Muita gente nos escreve: “Puxa, quero fazer alguma coisa. Não dá pra ficar parado, de braços cruzados. Como posso colaborar?” No Orkut, a comunidade do Cabeça já tem mais de duas mil pessoas. E essa tribo continua crescendo.O livro é composto por relatos e reflexões. O resultado demonstra que essa combinação funciona e revela o potencial político que há na narrativa de uma história, no testemunho sobre a experiência de uma pessoa, um ser humano de carne e osso, com nome, idade, cor, gênero, sensibilidade, valores, amor e ódio, erros e acertos. O mesmo vale para o belíssimo Falcão, a obra mais recente de Celso e Bill.Uma pergunta útil para quem se interessa por política e literatura, cinema e teatro, é a seguinte: por que narrar é importante e produz resultados interessantes? Antes de responder, proponho uma reflexão. Stalin, o famigerado ditador soviético, certa vez declarou que “a morte de milhões de pessoas é um acidente demográfico; a morte de um indivíduo é uma tragédia”. Ele sabia do que estava falando. Por experiência própria. Matou milhões para passar à história como estadista, em vez de assassino... O fato é que, na opinião pública, as emoções estão diretamente relacionadas à individualização. Ou seja, só há empatia com pessoas, não com números. Por isso, o relato de histórias individuais pode ser uma fonte fértil para a extensão de uma rede de identificação e empatia, que se traduz na difusão do sentimento de solidariedade. Estabelecer laços de empatia –que não se confunde com piedade- significa humanizar o outro, e a humanização é o primeiro passo para superar preconceitos. Superar preconceitos, por sua vez, é o primeiro passo na difícil substituição da violência pela comunicação. Como escrevemos no Cabeça de Porco, quando nos referimos aos jovens envolvidos com a violência: debaixo da máscara de monstro, há um ser humano. Se não tivermos humildade para vê-los assim e escutá-los, antes de julgá-los, estaremos condenados a reproduzir o ciclo vicioso da exclusão e da barbárie. Para lutar contra preconceitos, suspender as máscaras e acabar com os rótulos, nada como contar as histórias de homens e mulheres, crianças e adolescentes, gente como nós, que foi vítima antes de se tornar algoz. Somente assim, compreenderemos que os problemas são nossos. Ninguém pode lavar as mãos. A responsabilidade é de cada um de nós.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo e professor da UERJ e da UCAM e autor, com MV Bill e Celso Athayde, de Cabeça de Porco , editora Objetiva